CISTATINA C: Avaliação Laboratorial da Função Renal

A doença renal cônica (DRC) é um problema de saúde pública no mundo inteiro. Segundo dados da Sociedade Brasileira de Nefrologia, no Brasil, em julho de 2014, 112.004 pacientes realizavam diálise e a nefropatia hipertensiva (35%) e o diabetes (29%) foram as principais doenças de base. A incidência e a prevalência da insuficiência renal avançada são cada vez mais elevadas, com evolução ruim e custos altos.

Evidências crescentes indicam que é possível, com diagnóstico e tratamento precoces, prevenir ou retardar desfechos desfavoráveis da DRC, tais como doença cardiovascular e morte prematura. Os estágios iniciais da DRC podem ser detectados por meio de exames laboratoriais. Na DRC as funções renais começam a declinar de forma paralela com a função excretora. A taxa de filtração glomerular (TFG) é o principal indicador da função renal, se correlaciona bem com a gravidade da DRC, e pode estar reduzida muito tempo antes do início das manifestações clínicas.

Classicamente, usa-se a depuração (clearance) de creatinina como método de escolha para a medida da TFG, mas essa técnica exige coleta de urina durante 24 horas, o que é inconveniente para o paciente e frequentemente leva a erros. Assim, desde 2014, o Ministério da Saúde tem recomendado o uso da estimativa da Taxa de Filtração Glomerular (eTGF), realizada por meio de fórmulas baseadas na creatinina sérica, a qual tem limitações em alguns casos, como, por exemplo, em pacientes com desnutrição grave, doença do aparelho musculoesquelético, amputados, fisiculturistas, indivíduos com dieta vegetariana ou em dieta com suplementos de creatina.

Nas últimas décadas, um grande esforço e pesquisa têm acontecido na busca por novos biomarcadores de identificação precoce da perda da função renal. Neste cenário, surgiu a cistatina C, produzida em ritmo constante no organismo, livremente filtrada pelos rins e metabolizada nos túbulos proximais. A cistatina C como medida direta da TFG é menos influenciada por variáveis, como idade, sexo, raça, massa muscular e atividade física, do que a creatinina sérica e tem a habilidade de detectar pequenas reduções da função renal em pacientes com TFG 60-90 mL/min/1,73m2, mesmo com concentrações de creatinina dentro da normalidade.

Em pacientes com idade muito avançada, equações para estimativa da TFG que combinam cistatina C e creatinina séricas têm obtido melhores resultados na classificação dos pacientes com doença renal. De modo interessante, a cistatina C também tem sido considerada uma forte preditora de eventos cardiovasculares e mortalidade, associando-se com aterosclerose e inflamação, principalmente em pacientes com DRC.

Algumas situações clínicas, como doenças da tireoide não controladas, patologias que envolvem replicação celular aumentada, obesidade e terapia com glicocorticoides podem influenciar os valores séricos da cistatina C como marcador de função renal.

Recomendações  e Critérios para a utilização da Cistatina C na avaliação da TFG:

  1. Utilizar a formula CKD-EPI (Chronic Kidney Disease Epidemiology Collaboration)2012, baseada na cistatina C ou baseada na cistatina C combinada com a creatinina sérica, para estimar a TFG;
  2. Utilizar, na avaliação inicial, a eTFG baseada na creatinina sérica, e a cistatina C sérica como teste confirmatório, nas situações em que a eTFG, baseada na creatinina sérica, for menos fidedigna ou, quando for necessário, confirmar a diminuição da eTFG baseada na creatinina sérica;
  3. Para confirmar o diag­nóstico da DRC em adultos com resultado da eTFG baseada na creatinina sérica entre 45-59 mL/min/1,73 m2 e sem outros comemorativos de lesão do parênquima renal;
  4. Para adequar o tratamento e as doses de drogas  nefrotóxicas.

Em conformidade com as recomendações das Sociedades Brasileira de Patologia Clínica/Medicina Laboratorial e Brasileira de Nefrologia, desde 2013, o Laboratório Sabin libera a eTFG associada aos resultados de creatinina sérica. Mais recentemente, a tem disponibilizado pela aplicação da fórmula CKD-EPI, utilizando valores de creatinina e cistatina C séricas quantificados, respectivamente, pelos métodos enzimático rastreável ID-MS e  imunonefelométrico.

REFERÊNCIAS

Dias AC, Neves KDF, Carrero, KFV. Utilidade clínica da cistatina C como biomarcador  da função renal. Healthspot.2017, 1:12-13.

Brasil. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Diretrizes clínicas para o cuidado ao paciente com doença renal crônica – DRC no Sistema Único de Saúde. Brasília: Ministério da Saúde, 2014. 37p.

Kirsztajn GM et al. Leitura rápida do KDIGO 2012: diretrizes para avaliação e manuseio da doença renal crônica na prática clínica. J. Bras. Nefrol.,2014 36, n.1, jan./mar.

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